quinta-feira, 2 de outubro de 2025

O azul do infinito


O escuro azul, tão bonito,

da abóbada estrelada

contendo em si sóis incontáveis

pulsa calado e vivo

em seu mistério eterno.

 

De uma indecifrável

solidão intergaláctica

e no amedrontador

da mais exata geometria

na qual, estrelas, explosões

e planetas no absurdo mapa.

Sugerem aos olhos

dos homens curiosos

um vazio maior

que o mais vazio da alma.

 

E por milênios incontáveis

de incontáveis eras

na inimaginável constância

da expansão eterna

os fracos de espírito,

diante do infinito,

implodem aturdidos

e se resumem à terra.

 

 

(Cristiano Jerônimo/Lula Côrtes – Verão de 1994)

domingo, 28 de setembro de 2025

Ne quod quidem feles sepelit

 


É preciso dizer algo mais que compense, muito, tudo isso. A vida está perdida e é sério. Porque o mundo definha para nós. Não é só para se esconder em metáforas, posts, sorrisos de likes, #tbt, tais. Pois, não se deve acreditar em quem está sempre muito feliz. Muito menos em quem vive triste, ou que chore sem razão. Não. Vale mais compreender dois humores no mesmo caminho porque, às vezes, um polo da balança pesa mais que o outro. Mas há uma necessidade de, quase sempre, ter a obrigação de ser feliz pelo meio da rua. Podermos ter um sóbrio e sério arremate. E sem histerismo.

Quase sempre eu rumino. Vejo pequenos burgueses arrogantes sem sequer ter algum acúmulo de capital. Só fetiche consumista e um carro (objeto de estudos atuais e ainda inconclusivos sobre o poder do automóvel ante o imaginário social. Afora todos os outros produtos e serviços no âmbito de valor subjetivo capitalista que estão sempre lançando para dar sentido a tantas vidas avizinhadas.

            E mais indagações: Quem inventou esses amontoados de ferro obsoleto, que a maresia devora em poucos dias? Quem foi que invadiu a praia virgem e devastou as nossas florestas? Fez faltar ar, O, H20, fotossíntese... Não acredite em quem é sempre bom, pessoa boazinha e solícita. Ou mesmo egoísta; que se nega a dar a mão. Tem um pessoal que é ouro 18. Mas tem gente que não vale o que come. Ne quod quidem feles sepelit.

 

 (Cristiano Jerônimo – 27.09.2025 – Recife/PE)

quarta-feira, 24 de setembro de 2025

Sais de sinos



Os sinos badalaram na ilha

Os meninos como eu

começaram a cantar

As pedras deitaram no som

As baleias e as sereias

não quiseram ficar

Em terra, as corujas

escureceram os céus

e a areia seca da praia

guardou as pessoas de lá

Os sinos de sais na beira mar

eram os sinais de mágoa a se afogar

O tempo sempre inventava o perdão

O coração matava o ódio com amor

A dor não alimentava a vingança

Nada contaminava nossas crianças

Que, adultas, iriam curar a sua dor.

 

(Cristiano Jerônimo – 24.092025)

Aguardente de rum



Dos anjos mórbidos, dos querubins e dos aléns

Dos fantasmas que habitavam os velhos trens

Eu me desiludi e busquei a quebra dos trilhos

Eu vi a morte vestida de vermelhos espartilhos

Senti a espada da iniquidade chamando pra dançar

Com cadáveres falidos numa procissão de mortos

Com seu fúnebre navio ancorado em outros portos

Nadando nas negras escrituras dos piratas medievais

Eles não ocupavam os cemitérios contidos no planeta

Não deixavam rastros nem depois de sangrarem a sós

Porque as embarcações sombrias navegavam à noite

E se camuflavam de aguardente de rum durante o dia.

 


(Cristiano Jerônimo) – 24.09.2025

segunda-feira, 15 de setembro de 2025

Tudo o que vier


A dama escorregadia

pensa na noite e na alegria

sem ter o escuro nem o dia

Some em cavernas

de casernas

perdida no meio da bússola

fria.

 

Mulher de olhos atentos

Pensa no tempo que se perdeu

Relógios não voltam o sentido

Horário, tempo e dinheiro

Não colam coração partido

Nem resolvem a solidão.

 

Ponteiros não esperam

Vento só volta em furacão

Quando querer é quimera,

O resto é tudo pura ilusão

Não se constrói uma casa

Sem levantar corações.

 

Neste emaranhado

Eu não entro nem com o pé

Na idade, tão seguro

Eu precisava ver qual é

Para saber que no escuro

Esconde-se um futuro

Com o que a gente não quer.

 

 

Cristiano JV – 08.09.2025


domingo, 7 de setembro de 2025

Estações & Vidas



As lágrimas de agosto são pingos doces

Trazem o céu azul e a estação das flores

Colibris coloridos encantam na estação

Preconizando a seca quente dos sertões

São as estações ciclotímicas do universo

Do meu peito, francamente, de menino

Uma mulher ninja esconde a natureza

Junto com um lobo que bebe na lagoa

Se banha no riacho dos olhos d’águas.

 

Toda estrada já viu alguém passar vivo

Elas também foram testemunhas do fim

O arco-íris surge no casamento da raposa

As folhas que caem no outono são assim

Uma fotossíntese  pede socorro no jardim

Tudo se reconstrói se houver consciência

Um copo de vinho não é um copo de uva

Gato caça meio de arrumar sobrevivência

Os sorrisos de agosto são mais molhados

Nunca mais, por favor, se sinta arrependida

Só o que nos falta é o que não foi vivenciado.

 

 

(Cristiano Jerônimo – 07.09.2025)

segunda-feira, 25 de agosto de 2025

Positividade tóxica


Depois que proibiram a tristeza de ser triste

A felicidade tornou-se mais difícil de alcançar

Além de definida e estudada,

É obrigatório na escola da vida.

Então, ser feliz ficou sendo o que se aparenta

Na escola, na igreja ou no mercado

Ah, essa positividade é tóxica;

Força a gente a forjarmos falsidade.

 

Foi numa multinacional que me perdi

Sucesso: promoções, viagens, bônus…

A cabeça “atrofiava” e a grana aumentava

Todo esse conteúdo me deixou vazio

Eu buscava sentido naquilo e não achava

Era muito pouco para uma alma que existia

Fiz voluntariado na espiritualidade

Investi em projetos paralelos e cases de arte.

 

Mas faltavam propósito e bem-estar, o bem

nas relações humanas... Eu via e sentia o nada

Faltava a fé que poderia apontar o significado

Da vida, da morte, da sorte, do meio do espaço

Por bem, havia uma conexão com a natureza,

com a coletividade e uma causa para os dias

Eu vi que a felicidade é uma combinação

entre alegria, satisfação e significado de vida.

 

Mas lá estava o piloto automático da sobrevivência

Redes sociais e necessidade de dopamina automática

De uma gratificação instantânea

numa sociedade impaciente e ansiosa

Sempre em busca de mais estímulo

e cada vez menos satisfeita

Ávida por pequenas doses de prazer:

likes, séries, compras, vídeos curtos e streamings.

 

E havia sempre uma sensação de cansaço, vazio e tristeza crônica

Diante da ditadura da felicidade, sem poder ficar triste, com raiva

Mesmo frustrado com aquele programa de sol que choveu errado

A dor anestesiada anestesia a alegria genuína do prazer e desafios

Não devemos invalidar a dor; a nossa dor ou a dor do outro próximo

Muita gente está exausta de tentar performar felicidade o tempo todo

Mais conectados, menos acompanhados, numa rede de solitários

Quem se acostumou a viver sozinho, ser forte o tempo todo tem um preço.


Deixei o trabalho mesmo havendo boletos, filhos, insegurança e cartão

E me protegi criando a minha bolha de autocuidado e rede de proteção

Não fui fraco por estar cansado. Pelo contrário, fui muito forte por resistir

Lembrei do Grupo de Hábitos Saudáveis do psicólogo cabeludo do agreste

Nossos Z’s querem mudar o mundo e não podem ficar paralisados

Dizem que dá até para ser feliz a vida inteira sem mesmo pestanejar

Felicidade plena não é a ausência de dor, mas a presença de sentido

Viver boas relações com as coisas que mais nos façam avançar.

 

 

(Cristiano Jerônimo – 25.08.2025)

sexta-feira, 22 de agosto de 2025

Acredita!


Aprenda a levantar a cabeça

para que não se esqueça:

o tempo não há de voltar.

 

Descanse, para olhar segura

por ser bela a vida é dura

e sempre haverá de durar.

 

Sorria, essa praia é divina

no horizonte, a menina

encontra o lastro do mar.

 

Brinca, voam embarcações

alando os nossos corações

que só mergulham pelo ar.

 

Acredita, o destino é nosso

é mentira acreditar no poço

e é verdade não acreditar.

 

 (Cristiano Jerônimo – 22.08.2025 – 17h25)

domingo, 17 de agosto de 2025

परमात्मन् – Paramatma


Muito além do psicólogo analista,

não quero falar apenas de coisas boas

com pessoas amadas.

Na felicidade, quero comentar a incompletude da vida,

a inconsistência da maioria das relações humanas;

o vazio que aterrisa com velocidade no peito;

o lado que a moeda não tem cunhado;

a vida que precisa de vida para ter sentido;

o sentido que não mora sempre ao lado;

o futuro que a ansiedade nos consome;

um sopro que nos empurra e outro que paralisa;

a roda que sobe e desce num eterno girar...

Para lá do padre, do pastor, do rabino, do budista,

o Paramatma individual não tem dono,

senão o grande Uno;

uma parte divina que habita dentro de todos nós;

as escrituras que herdamos dos profetas;

os escritos resistentes assinados por poetas;

as portas abertas dos sertões das nossas almas;

as comportas das represas que vertem água...

 

(Cristiano Jerônimo Valeriano – 17.08.2025)

segunda-feira, 11 de agosto de 2025

Os poetas nos dizem



Árvores falam

homens não ouvem

árvores calam

homens motores

pessoas falam

árvores ouvem

pessoas calam

árvores flores.

 

Gente de amores

pessoas de dores

chuvas te lavam

chãos lhe aquecem

águas são claras

mas se esquecem

não haverá inverno

no calor do inferno.

 

Combustíveis fósseis

energia limpa e suja

sobre os automóveis

sobre o céu que pinta

nega-se por imediato

com tanta farta riqueza

não há filhos nem netos

que sobrevivam a isso.

 

[Ah, mas há essa mania

de desconfiar de tudo

o que o poeta nos diz...]

 

 

 (Cristiano Jerônimo – 11.08.2025)

sexta-feira, 8 de agosto de 2025

Ainda que seque, há esperança


      

    I

Tem mais céu no alto da serra

Mais estrelas no azul cósmico

Douradas num chão estrelado

Riscados sobre o branco papel

Guiados nos voos das abelhas

Girando n’água do azul do mar.

 

        II

A enxurrada do riacho adormecido

É o Natal do verde que era só seco

O cheiro do marmeleiro avisa longe

O hálito do curral do gado na chuva

O engenho velho que traz a saudade

A bolandeira que ensacou a farinha.

 

        III

Os lajedos molhados sem poeira

A água lavando o terreiro, estrada

Pulando as porteiras encharcadas

As caiporas fumando nos cabelos

As tranças nos rabos dos cavalos

Ainda que seque, há a esperança.

 

 

 

(Cristiano Jerônimo – 08.08.2025)

  

O azul do infinito

O escuro azul, tão bonito, da abóbada estrelada contendo em si sóis incontáveis pulsa calado e vivo em seu mistério eterno.   De...