recife de rua
vagueia um menino qualquer
qualquer rua...
matuta qualquer menino
vidrado na lua...
sobre a cidade
de água indecisa,
sob a verdade
crua e concisa
repousam as asas
da contradição:
do que é da terra de Deus
e que é de um mundo de cão.
Um rebanho de bichos do mato
...meninos...
...cidade...mata...
...MENINOS...
a
lama enrustida
atravessar o rio da vida
e a história da vida molhar;
pular de uma ponte comprida
e na lama da vida nadar...
compreender a lama o centro
e no centro da roda rodar;
desvirginar o segredo do tempo
e no vento da vida voar...
mergulhar no canal de entrada
no bueiro da esquina entrar
e ao sair, na bacia do pina,
pelo dique afora andar...
(ao forte das cinco pontas
e ao cais josé estelita)
havia um forte
há mais de cem anos atrás
onde um rio e o mar
formavam o cais.
- arrecifes de formas
concretas
não morrem, jamais.
Mas ali onde havia um
mangue,
hoje são plataformas gerais;
e o câncer urbano
propaga-se...
...cada vez muito mais.
assim, bosques indecisos
vagueiam sobre um passado
esquecido
enquanto a forma arquitetônica
de outrora é substituída pelo caos,
o que agora os homens
chamam indecentemente de progresso.
a contracapa do recife,
aquilo que escondem de ti
sob o arregalo dos teus olhos
assustados com os curumins do “mau”
saídos dos esgotos marisíacos de sal...
surgia o coletivo
e ele descia.
meio claro chuva,
meio dia.
Absorto entendia
que dobrava uma esquina fria,
até a ponte que subia
a guararapes...
o jornal de ontem,
lia o diário, que esquecia
e atordoado ele seguia...
ele chorava, ele sorria.
cinco minutos
em cada praça
se despedia...
na 1º de março
sem companhia...
prosseguia, ainda,
a marquês de Olinda,
e, jogando-se do cais,
no mar ele morria...
(quantas coisas
o marco zero não presencia...)
dos mangues
eu sou da terra dos mangues,
dos sangues que cobrem nossos contraditórios asfaltos...
dos grupos que exalam o maracatu lá dos altos.
eu sou do lado urbano,
das retas e contornos dos prédios
que presenciam ou acabam o tédio
da arquitetura da cara do povo.
eu sou do lado rural,
das árvores seculares e florestas vivas,
das cerâmicas da várzea de francisco brennand.
menina de cais
uma mariposa
de cais,
gás...
aquática
cinemática.
movimentadamente
estática...
uma menina
que vagueia
o cais de zé
mariano, apolo
e santa rita.
presa ao cais
da alfândega
com seios contrabandos,
seu bando:
que bando?
uma prostitutinha
de cabelos de mangue,
uma menina de rua
é a nossa beleza;
brasileira Veneza...
recife: a tua carne
a tua carne é irrigada
pelos canais e rios de lama
além dos arbustos que encobrem
os sóis que refletem a gente.
o teu horizonte incerto é curvo
nas retas esquisitas da tua ilha do leite,
a tua ilha do retiro, joana bezerra,
um tiro nos coelhos
tuas ilhas...armadilhas...
são tuas veias dividindo teu tecido,
tua pele de lama, em tua cama me deito.
teu horizonte correto é reto
tanto quanto também incerto
e tuas águas, inevitavelmente, correm para o mar
nos corrupios esguios das mágoas que não vamos chorar.
teus pássaros turvos
os uivos noturnos
boêmios diurnos
mistérios que me fazem encontrar...
atlântida nem Veneza,
recife beleza,
paraíso infernal.
até o galo sai antes da aurora
na hora do carnaval...
Pontes
pontes, por onde andas?
sei que durante tantos anos
não permanecestes parada...
ponte, por onde falas?
sei que, apesar de muda,
não te resumes calada...
ponte, por onde nadas?
porque, apesar de morar neste rio,
nunca morrestes afogada...
ponte, por onde começas?
ponte, por onde terminas?
eu só sei dos ensinamentos
que tua travessia me ensina.
satisfação
(a antiga rio branco)
que pressa e risos
de um lado a outro das ruas,
das meninas vestidas
que, na verdade, são nuas.
elas vendem beijos e abraços,
pedaços de noite sem emoção.
anseiam, ao passo que abominam
o cansaço das noites condenadas
à prostituição...
talvez sim, talvez não
alguém possa satisfazer mecânica sua falta
e a sua determinação de se vender infeliz,
numa vibe de que qualquer trocado torna alguém mais feliz...
...
E ela diz: - levando comigo, freguês, seus segredos e ilusões,
Das quais tua alquimia solitária
Não te traz satisfação,
Levo tanto a maçã quanto o pão!
Texto: Cristiano Jerônimo
Ilustrações: Lula Côrtes
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