terça-feira, 14 de outubro de 2025

Corretamente político

 


Cristiano Jerônimo Valeriano

Jornalista, professor e acadêmico


Bicho, sinceramente, eu estou dando uma sofrida ainda nestas questões de falar politicamente correto e tal, muito essencial. Havia toda uma ideologia bruta contra comportamentos “inadequados” à época. Nos 2000, eu e outros companheiros repórteres, editores, fotógrafos, publicitários partejávamos nos imaginários, os tipos de associação da ilusória Confraria dos Machões. E olhe que eu nunca tive preconceitos contra gays ou outras expressões de gênero, acho que atraem felicidade, amor. Das lavadeiras que eu vi, a máquina de lavar comeu a ôia. As que conheço são todas amigas e reclamam da máquina de lavar. Eu lavo sozinho.

Não, gente, eu também não vou escrever "todes" nem a pau nem a cacete. A favela está sendo vendida como "comunidade", como ilusão. Vem a dificuldade que há por causa da pirâmide, que por mais que a gente ande, nunca chega lá. É infinito desejar. Com FHC, caloteiro passou a ser chamado de inadimplente; criminosos viraram suspeitos e por aí vai. Rapaz, o legalismo brasileiro tem que ser equalizado de uma maneira flexível com a quantidade de leis que não estão sendo cumpridas. O narcoestado, a internacionalidade, as práticas criminais que corrompem um pedaço bom  dos nossos juvens, a maioria negra e pobre. Cada crime deixa o seu DNA. Cada lapada deixou sua marca.

O mais confuso... Cheguei no formulário online da internet e, para fins de concurso público, eu preenchi meu nome e os documentos. Mas tinha uma espaço com  muitas alternativas para optar pelo minha orientação sexual, mas nenhuma etapa me oferecia a opção adequada: mulher ou homem. Li o campo da inscrição. tudinho. Ao final, eu disse: - tô fodido. Não consigo saber qual a opção do meu sexo, sei lá. Tenho que me escrever logo.

    Mas eu pedi a Deus uma saída, Ele atendeu. Lá embaixo, entre as opções de pessoas com gêneros diferentes, haviam almas humanas e na pergunta sexo, ele marcou. Marquei até sem querer. Mas me bateu uma paranóia depois. Fiquei com aquilo na cabeça à noite. Lembrei antes, nos cantos, que seriam três alternativas: 1) Masculino; 2) Feminino; 3) Outro. Justamente o Outro que eu escrevi na lista do Enem. É um caralho. Tô surtando Kráio, aqui na favela é assim! Marquei na outra prova, o “Outro” daqui. Essa coisa de “...foi o Outro foi...”, o que  me sobrou da inscrição do vestibular. Esse foi o meu sexo escolar mais corretamente político. Vi as árvores do bosque encantadas e brilhantes, cores.

04.10.2025 

 

domingo, 12 de outubro de 2025

Ela, o mistério...


Aquele pensamento de possível clarão

Levava-nos às nuvens coloridas da água

Ao sangue vermelho dos nossos corações

Perfeita imersão no íntimo da nossa alma.

Cobiça dos homens, com violência, 

Extorsões e sequestros pela corrupção.

 

De dois paradigmas, de quatro argumentos...

Moléculas do bem atacaram com as vibrações

A vida pode ser interpretada, não vista como tal; 

a morte

no final das contas, sobressai-se sobre o mal,

como uma lenda ancestral.


Lacunas trabalhadas em talhos de nossos tempos

Aquelas dificuldades às quais morreros e sorrimos

Querendo ficar num porto, sem aportar onde for.

 

Viagem de primeiro encontro e fora dos ventos e das tábuas

Olhando as meninas e botando notas dissonantes para seguir

Tudo o que eu queria era ficar mesmo por aqui. Parar e partir.


Cristiano Jerônimo  121025

(Várzea do Capibaribe)

sábado, 11 de outubro de 2025

Mão que suja



A A.s

O gosto amargo de egoísmo e ingratidão

Não tem como não atingir bocas sensíveis

Não tem como fazer o bem, seja em vão...

Observar sentimentos assim tão terríveis.

 

Ultrapassaram a barreira entre a doença

E a maldade, a crueldade do mundo cão

Eu jurei que éramos todos seres do bem

Mas, na hora H, ninguém. Fui pro porão.

 

Nunca viu pedras de ketchup congelado

Doutor Fausto fez pacto com o demônio

Desde então, não mandou mais o recado

Ela é dos males esse mesmo heterônomo.

 

Uma síncope de morder e assoprar o nada

Atingindo o tudo onde jamais se enquadra

Perturbando a própria mente que se acaba.

 

Quando ninguém é obrigado a ser monge

Uma mão vai e se aproxima; a outra foge

Uma mão lava e sempre a outra te enodoa.

 

 (Cristiano Jerônimo – 11.10.2025)

sábado, 4 de outubro de 2025

Este bilhetinho...



    Para flutuar e aparecer na tua janela, entre o vidro e o mar. Voar e morar no ar e aterrissar, fazendo das nossas mentes o prazer das almas dos nossos corpos. Eu não precisaria de elevador. A minha terra é plana até certo ponto, precisamente até onde eu preciso andar. Eu até já pulei do trem. Era ali que eu queria descer, mas no rio o barco me levou a sua região, no mar o tempo estava calmo temporariamente e os nossos corpos não estavam frios o bastante para não sentir calor. A temperatura éramos nós que regulávamos. O tchi das garrafas d’água sobre nossas cabeças eram degustadas das melhores fontes minerais.

    Para sobrevoar tua vida, não seria invasão se eu tivesse a capacidade de amar sem limitar; também se pudéssemos melhorar mais e mais a cada dia. A harmonia não precisaria significar que todos os dias tudo seria tudo feliz. Era só enfrentar o outro tempo e perceber um amanhecer diferente, sempre, ininterruptas vezes. Quantas necessárias. “Mas tudo é tão difícil. Eu quero é mais fácil...”, canta Marina, para encerrar este bilhetinho.


(Cristiano Jerônimo - 02.10.2025)

quinta-feira, 2 de outubro de 2025

O azul do infinito


O escuro azul, tão bonito,

da abóbada estrelada

contendo em si sóis incontáveis

pulsa calado e vivo

em seu mistério eterno.

 

De uma indecifrável

solidão intergaláctica

e no amedrontador

da mais exata geometria

na qual, estrelas, explosões

e planetas no absurdo mapa.

Sugerem aos olhos

dos homens curiosos

um vazio maior

que o mais vazio da alma.

 

E por milênios incontáveis

de incontáveis eras

na inimaginável constância

da expansão eterna

os fracos de espírito,

diante do infinito,

implodem aturdidos

e se resumem à terra.

 

 

(Cristiano Jerônimo/Lula Côrtes – Verão de 1994)

domingo, 28 de setembro de 2025

Ne quod quidem feles sepelit

 


É preciso dizer algo mais que compense, muito, tudo isso. A vida está perdida e é sério. Porque o mundo definha para nós. Não é só para se esconder em metáforas, posts, sorrisos de likes, #tbt, tais. Pois, não se deve acreditar em quem está sempre muito feliz. Muito menos em quem vive triste, ou que chore sem razão. Não. Vale mais compreender dois humores no mesmo caminho porque, às vezes, um polo da balança pesa mais que o outro. Mas há uma necessidade de, quase sempre, ter a obrigação de ser feliz pelo meio da rua. Podermos ter um sóbrio e sério arremate. E sem histerismo.

Quase sempre eu rumino. Vejo pequenos burgueses arrogantes sem sequer ter algum acúmulo de capital. Só fetiche consumista e um carro (objeto de estudos atuais e ainda inconclusivos sobre o poder do automóvel ante o imaginário social. Afora todos os outros produtos e serviços no âmbito de valor subjetivo capitalista que estão sempre lançando para dar sentido a tantas vidas avizinhadas.

            E mais indagações: Quem inventou esses amontoados de ferro obsoleto, que a maresia devora em poucos dias? Quem foi que invadiu a praia virgem e devastou as nossas florestas? Fez faltar ar, O, H20, fotossíntese... Não acredite em quem é sempre bom, pessoa boazinha e solícita. Ou mesmo egoísta; que se nega a dar a mão. Tem um pessoal que é ouro 18. Mas tem gente que não vale o que come. Ne quod quidem feles sepelit.

 

 (Cristiano Jerônimo – 27.09.2025 – Recife/PE)

quarta-feira, 24 de setembro de 2025

Sais de sinos



Os sinos badalaram na ilha

Os meninos como eu

começaram a cantar

As pedras deitaram no som

As baleias e as sereias

não quiseram ficar

Em terra, as corujas

escureceram os céus

e a areia seca da praia

guardou as pessoas de lá

Os sinos de sais na beira mar

eram os sinais de mágoa a se afogar

O tempo sempre inventava o perdão

O coração matava o ódio com amor

A dor não alimentava a vingança

Nada contaminava nossas crianças

Que, adultas, iriam curar a sua dor.

 

(Cristiano Jerônimo – 24.092025)

Aguardente de rum



Dos anjos mórbidos, dos querubins e dos aléns

Dos fantasmas que habitavam os velhos trens

Eu me desiludi e busquei a quebra dos trilhos

Eu vi a morte vestida de vermelhos espartilhos

Senti a espada da iniquidade chamando pra dançar

Com cadáveres falidos numa procissão de mortos

Com seu fúnebre navio ancorado em outros portos

Nadando nas negras escrituras dos piratas medievais

Eles não ocupavam os cemitérios contidos no planeta

Não deixavam rastros nem depois de sangrarem a sós

Porque as embarcações sombrias navegavam à noite

E se camuflavam de aguardente de rum durante o dia.

 


(Cristiano Jerônimo) – 24.09.2025

segunda-feira, 15 de setembro de 2025

Tudo o que vier


A dama escorregadia

pensa na noite e na alegria

sem ter o escuro nem o dia

Some em cavernas

de casernas

perdida no meio da bússola

fria.

 

Mulher de olhos atentos

Pensa no tempo que se perdeu

Relógios não voltam o sentido

Horário, tempo e dinheiro

Não colam coração partido

Nem resolvem a solidão.

 

Ponteiros não esperam

Vento só volta em furacão

Quando querer é quimera,

O resto é tudo pura ilusão

Não se constrói uma casa

Sem levantar corações.

 

Neste emaranhado

Eu não entro nem com o pé

Na idade, tão seguro

Eu precisava ver qual é

Para saber que no escuro

Esconde-se um futuro

Com o que a gente não quer.

 

 

Cristiano JV – 08.09.2025


domingo, 7 de setembro de 2025

Estações & Vidas



As lágrimas de agosto são pingos doces

Trazem o céu azul e a estação das flores

Colibris coloridos encantam na estação

Preconizando a seca quente dos sertões

São as estações ciclotímicas do universo

Do meu peito, francamente, de menino

Uma mulher ninja esconde a natureza

Junto com um lobo que bebe na lagoa

Se banha no riacho dos olhos d’águas.

 

Toda estrada já viu alguém passar vivo

Elas também foram testemunhas do fim

O arco-íris surge no casamento da raposa

As folhas que caem no outono são assim

Uma fotossíntese  pede socorro no jardim

Tudo se reconstrói se houver consciência

Um copo de vinho não é um copo de uva

Gato caça meio de arrumar sobrevivência

Os sorrisos de agosto são mais molhados

Nunca mais, por favor, se sinta arrependida

Só o que nos falta é o que não foi vivenciado.

 

 

(Cristiano Jerônimo – 07.09.2025)

segunda-feira, 25 de agosto de 2025

Positividade tóxica


Depois que proibiram a tristeza de ser triste

A felicidade tornou-se mais difícil de alcançar

Além de definida e estudada,

É obrigatório na escola da vida.

Então, ser feliz ficou sendo o que se aparenta

Na escola, na igreja ou no mercado

Ah, essa positividade é tóxica;

Força a gente a forjarmos falsidade.

 

Foi numa multinacional que me perdi

Sucesso: promoções, viagens, bônus…

A cabeça “atrofiava” e a grana aumentava

Todo esse conteúdo me deixou vazio

Eu buscava sentido naquilo e não achava

Era muito pouco para uma alma que existia

Fiz voluntariado na espiritualidade

Investi em projetos paralelos e cases de arte.

 

Mas faltavam propósito e bem-estar, o bem

nas relações humanas... Eu via e sentia o nada

Faltava a fé que poderia apontar o significado

Da vida, da morte, da sorte, do meio do espaço

Por bem, havia uma conexão com a natureza,

com a coletividade e uma causa para os dias

Eu vi que a felicidade é uma combinação

entre alegria, satisfação e significado de vida.

 

Mas lá estava o piloto automático da sobrevivência

Redes sociais e necessidade de dopamina automática

De uma gratificação instantânea

numa sociedade impaciente e ansiosa

Sempre em busca de mais estímulo

e cada vez menos satisfeita

Ávida por pequenas doses de prazer:

likes, séries, compras, vídeos curtos e streamings.

 

E havia sempre uma sensação de cansaço, vazio e tristeza crônica

Diante da ditadura da felicidade, sem poder ficar triste, com raiva

Mesmo frustrado com aquele programa de sol que choveu errado

A dor anestesiada anestesia a alegria genuína do prazer e desafios

Não devemos invalidar a dor; a nossa dor ou a dor do outro próximo

Muita gente está exausta de tentar performar felicidade o tempo todo

Mais conectados, menos acompanhados, numa rede de solitários

Quem se acostumou a viver sozinho, ser forte o tempo todo tem um preço.


Deixei o trabalho mesmo havendo boletos, filhos, insegurança e cartão

E me protegi criando a minha bolha de autocuidado e rede de proteção

Não fui fraco por estar cansado. Pelo contrário, fui muito forte por resistir

Lembrei do Grupo de Hábitos Saudáveis do psicólogo cabeludo do agreste

Nossos Z’s querem mudar o mundo e não podem ficar paralisados

Dizem que dá até para ser feliz a vida inteira sem mesmo pestanejar

Felicidade plena não é a ausência de dor, mas a presença de sentido

Viver boas relações com as coisas que mais nos façam avançar.

 

 

(Cristiano Jerônimo – 25.08.2025)

Corretamente político

  Cristiano Jerônimo Valeriano Jornalista, professor e acadêmico Bicho, sinceramente, eu estou dando uma sofrida ainda nestas questões d...