sexta-feira, 14 de maio de 2021

A dor de tratar a dor



 CRISTIANO JERÔNIMO*

Diferente do que muitos pensam, fazer uma boa terapia é pagar para se sentir desconfortável e refletir sobre o que precisa ser ressignificado nas atitudes e sentimentos da nossa vida, na medida em que o psicoterapeuta identifica questões e provoca reações mais profundas na nossa reflexibilidade. O mais que sobra é só ouvido, fala, conversa. Há um psicanalista e psiquiatra renomado em Pernambuco, Evaldo Melo de Oliveira, que foi carinhosamente “batizado” pelos seus grupos de pacientes com o nome de “Mestre dos Magos” (aquele do desenho animado "A caverna do dragão").

O “apelido secreto” pegou. Risos à parte, a motivação para este nome de “Mestre dos Magos” aconteceu por causa das grandes deixas e reflexões que o médico usava no processo psicoterapêutico e psicanalítico, a cada sessão. Eu fui paciente dele. Chegava feliz e saía cabisbaixo, pensativo. Tive alta em 10 anos. Eu sentia que tinha dias que eu não deixava ele me acessar e estes eram os piores, porque inconscientemente eu havia omitido tanta coisa mais importante do que havia sido dito e trabalhado. Avalia-se que, quem entra feliz na sessão de uma boa terapia e sai calado, pensativo, reflexivo, tende a tirar muito mais proveito, mesmo que as respostas só venham depois de uma elaboração posterior. Acredito que a terapia não possa ser uma solução apenas que coça a borda das coisas, mas um remédio amargo e ardido para as nossas feridas. Por serem invisíveis, essas questões precisam de provocação para que nós mesmos obtenhamos nossas próprias respostas, um por um. É quando amadurece o processo de autoconhecimento, terapêutico.


Por natureza, o psicólogo não há de dar resposta alguma a ninguém,


mas devolver as perguntas de maneira técnica, objetivamente resolutiva, para que o facilitado desperte para soluções e respostas, saindo do círculo vicioso da sistematização do óbvio, do mais do mesmo que acontece com pessoas que passam décadas na psicoterapia e só resolvem uma profundidade rasa dos seus problemas. Mexer em si, por si só, já é um processo doloroso. Se não dói, não incomoda, não faz acessar nossos conteúdos internos, mais incômodos, como vamos nos fortalecermos para vencê-los ou livrarmo-nos deles? O dia de sair rindo, de verdade, da terapia aproxima-se da data da alta definitiva. Podemos também fazer análise para sempre e resolvermos, ou não, as nossas questões arraigadas no cerne dos nossos medos, raivas, limitações, seja o que for que assola a mente, a emoção para que seja possível entender o labirinto e livrar-se dele, se quiser.

Evidente: as transformações e adequações devem acontecer com o paciente. Ele, então, é o protagonista mor das suas decisões, das suas práticas e da manutenção do seu bem-estar. Quando se sai muito feliz de um momento de terapia, a mente – por vezes – esconde os verdadeiros gatilhos que nos incomodam e que nos levaram ao próprio processo psicoterapêutico. O cerne da(s) questão(ões), a(s) ferida(s), o que ficou mal resolvido lá atrás, essas entre outras são as demandas que devem ser apresentadas objetivamente ao profissional que assiste. Não fazer como na parábola do braço quebrado. A pessoa quebrou o braço direito, foi ao ortopedista de urgência e mostrou o braço esquerdo. O médico perguntou aonde doía mais naquele braço e a pessoa disse que não havia dor. Foi feito um raio X no membro direito e ela foi liberada, mas com o braço esquerdo quebrado.

 

* Jornalista e escritor. Fez psicanálise por 10 anos.




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